PROCESSO: 29522/FDUL
Sentença
A Faculdade de Arquitetura interpôs, neste Tribunal, o presente recurso contencioso pedindo a nulidade do despacho do ato praticado pelo ex-Ministro das Finanças, Manuel Cordeiro, imputando-lhe a violação do dever de audiência prévia e de fundamentação das decisões e dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça e razoabilidade.
ALEGAÇÕES
A Faculdade de Arquitetura alega a violação do dever de audiência dos interessados (artigos 121º e 124º do CPA), que levará à nulidade da decisão do Ministro; a violação do dever de fundamentação, por falta dos requisitos impostos pelo artigo 153º nº1; a violação do princípio da imparcialidade por Manuel Cordeiro se encontrar em situação de suspeição, sendo que não houve pedido de dispensa por parte deste, o “(...) ato administrativo em causa é, por identidade de razão, ilegal, ferido de anulabilidade”; a violação do princípio da igualdade, da justiça e razoabilidade, devido ao tratamento desigual de duas situações consideradas iguais “Tanto o CIVC como o CIEEP foram aprovados nos atos anteriores, pois os seus objetivos e as suas características entraram de forma prometedora nos parâmetros europeus, (...) o CIEE teve apoios inferiores”;
Os Advogados de defesa do ex Ministro das Finanças, Manuel Cordeiro, alegam que não houve uma violação do princípio da imparcialidade, por considerarem que apenas se poderia aplicar o artigo 69º do CPA, o qual tem caráter taxativo; que não houve uma violação do do dever de fundamentação, alegando que houve uma fundamentação sucinta, respeitando o artigo 153º nº1; e que não ocorreu uma violação do dever de audiência prévia, afirmando que havia dispensa da mesma ao abrigo do artigo 124º/1, alínea d);
Os Advogados de defesa do ISER alegam que a atuação do ex-Ministro das Finanças não integra qualquer impedimento do nº 1 do artigo 69ºCPA, considerando a possibilidade de “(...) ser aplicado ao caso o número 2º do mesmo artigo, que exclui como impedimentos atos de mero expediente”; não houve violação do princípio da igualdade pois trata-se de um ato certificatório; alegam que não houve violação do dever de audiência prévia, tendo sido este cumprido quando ouvidos os 22 projetos candidatos; não ocorreu uma violação do dever de fundamentação, tendo o ato sido fundamentado pelo despacho que confirma a atribuição da subvenção europeia.
1.FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Julgam-se provados os seguintes factos:
O despacho favorável foi emitido pelo então Ministro das Finanças Manuel Cordeiro e, de acordo com a Lei nº 52/2019, artigo 6º nº2 alínea c), constitui uma exceção ao exercício de funções em regime de exclusividade as “(...) atividades de docência e de investigação no ensino superior, nos termos previstos nos estatutos de cada cargo, bem como nos estatutos das carreiras docentes do ensino superior”. Porém, o Estatuto da Carreira Docente Universitária (Decreto-lei nº 205/2009 de 31 de Agosto) no seu artigo 73º nº2 determina que “O tempo de serviço prestado nas situações constantes do número anterior suspende a duração dos vínculos contratuais e, a pedido do interessado, outras obrigações que sejam previstas nos regulamentos da respectiva instituição de ensino superior.”.
Preterição da fase procedimental da audiência dos interessados;
Consta da fundamentação do ato o seguinte: «necessidade da subvenção para não se perder o apoio europeu»;
Foram apresentadas a este Tribunal as seguintes provas documentais:
Existência de um parecer jurídico apresentado a este Tribunal pela Faculdade de Arquitetura, dirigido ao Dr. Manuel Cordeiro, para haver um esclarecimento jurídico quanto à possibilidade de existir um impedimento ou suspeição adstrita a uma eventual decisão relativa ao co-financiamento dos projetos apresentados pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior, nos quais se inclui o CIVC, pertencente ao ISER. O Departamento Jurídico do Ministério das Finanças, dirigido pela Dr. Rita Purcinelli, a quem foi solicitado a emissão do parecer, concluiu que o Sr. Ministro deveria pedir dispensa de intervir no procedimento, em razão do artigo 75º do CPA.
Proposta de celebração de contrato-programa plurianual entregue pelo ISER. Independentemente desta prova documental, considera este Tribunal que o despacho favorável de atribuição do valor de 8 milhões de euros foi emitido pelo então Ministro das Finanças, Manuel Cordeiro, tal como resulta dos factos do caso e confirmado por prova testemunhal da Dra. Rita Purcinelli (Diretora do Departamento Jurídico do Ministério das Finanças).
2. De Direito
Dever de Audiência Prévia dos interessados
No procedimento administrativo necessário para a produção da decisão, houve uma preterição total do direito à audiência, já que a Faculdade de Arquitetura não foi em nenhuma fase chamada a ser ouvida.
A audiência dos interessados (art.º 121º a 125º CPA) é uma das mais importantes faces de dois importantes princípios gerais formalizados no CPA: o princípio da colaboração da Administração com os particulares, vertido no artigo 11º nº1, e o princípio da participação, explanado no artigo 12º. A audiência prévia dos interessados é a fase do procedimento no qual é assegurado aos interessados o direito de participarem na formação das decisões que lhes digam respeito. Inclui, em síntese, a notificação dos interessados antes de ser tomada a decisão final sobre o sentido provável desta, de modo que, estes possam pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos (art.º 121º CPA); ao que se segue a ponderação, pelo instrutor, dos argumentos e razões apresentadas pelos interessados em defesa dos seus pontos de vista. A aludida notificação fornece o projeto da decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado (Art. 122º CPA).
A comunicação aos interessados do sentido provável da decisão deve ser acompanhada de uma adequada fundamentação.
Por princípio, a formalidade de audiência prévia dos interessados deve ser observada. Existem, no entanto, algumas situações em que o diretor do procedimento pode não proceder à audiência dos interessados; se tal ocorrer, deverão as razões que no caso concreto fundamentaram a dispensa da audiência ser expressa ou autonomamente indicadas na decisão final (art.º 124º nº2 e 126º). A dispensa em causa é legítima nos casos previstos nas hipóteses do art.º 124º nº1. O CPA prevê duas formas de os interessados serem ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final: a audiência escrita e a audiência oral. Compete ao diretor do procedimento decidir, em cada caso, se a audiência prévia dos interessados deve ser escrita ou oral (art.º 122º CPA).
A falta de audiência prévia dos interessados, nos casos em que seja obrigatória por lei, constitui obviamente uma ilegalidade. Mais concretamente, traduz-se num vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial. O vício será gerador de nulidade se o direito à audiência prévia for concebido como um direito fundamental (art.161º nº2 al. f) CRP); se o não for, a falta de audiência produzirá mera anulabilidade (art.163/1 CPA). O Professor Diogo Freitas do Amaral tem perfilhado a segunda posição. O Professor considera que o direito subjetivo público de audiência prévia dos interessados, sendo um direito de grande importância no sistema de proteção dos particulares face à Administração Pública, não é um direito incluído no elenco dos direitos fundamentais, que são os direitos mais diretamente ligados à proteção da dignidade da pessoa humana. A jurisprudência do STA tem seguido esta orientação. A produção da mera anulabilidade (art.º 163 do CPA), é a posição maioritária em Portugal, sendo defendida também pelo Professor Pedro Manchete, que considera que, sendo esta a sanção que a ordem jurídica portuguesa define para a falta de audiência do particular num inquérito disciplinar, não há razão que justifique para que no caso do procedimento administrativo uma sanção mais elevada.
No entanto, os Professores Vasco Pereira da Silva, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos defendem a nulidade do ato por falta de audiência. O Professor Vasco Pereira da Silva fundamenta a sua posição, considerando que o direito de audiência constitui um direito fundamental de terceira geração (art.161/2 al. d) do CPA). Já o Professor Marcelo Rebelo de Sousa defende a nulidade, mas com base na falta dos elementos essenciais do ato administrativo.
Seguimos então a posição que considera a audiência prévia dos interessados como um direito fundamental, uma vez que o elenco dos direitos fundamentais apresentado na CRP não é taxativo e, tendo em conta a relevância do direito em causa. Consideramos o ato nulo, (não havendo uma situação de dispensa) assim como entende a Faculdade de Arquitetura.
Dever de Fundamentação
Uma das formalidades essenciais alicerçadas ao ato administrativo é a fundamentação do mesmo, nos casos designados no art. 152º nº1 do CPA. Este dever de fundamentação também se encontra parcialmente consagrado no art. 268º nº3 da CRP. Este dever desempenha importantes funções quanto ao controlo da Administração que, forçada a explicar o porquê das suas decisões, vai ser obrigada a ponderar de forma mais cautelosa. Também funciona enquanto garante de uma maior proteção e confiança dos particulares face à Administração, podendo então fornecer-lhes uma justificação dos atos praticados.
Os requisitos para esta estar reunida são então: a fundamentação deve ser expressa e clara; dispõe ainda o artigo 153.º nº1 do CPA que, materialmente, deve a mesma contemplar fundamentos do âmbito factual e do âmbito jurídico da decisão. A exigência de fundamentação tem que contemplar os fundamentos factuais e jurídicos, não significa que dela tenham de constar os artigos aplicados na atuação administrativa. O critério a ter em conta pela Administração, no que toca à fundamentação, é a capacidade do particular – em concreto – a quem afeta o ato administrativo compreender quais são os motivos que levaram à prática do ato.
Em Portugal, alguns autores defendem a existência de um direito fundamental à fundamentação. Defende-o o Professor Sérvulo Correia, para quem «é materialmente inconstitucional derrogar o direito dos particulares à fundamentação». No mesmo sentido, entende o Professor Guilherme da Fonseca que devem ser garantidos «os direitos do cidadão perante a Administração Pública para o processo administrativo gracioso, entre eles o dever de fundamentação». Porém, o entendimento supracitado não é unânime (nem dominante). Na visão do Professor Vieira de Andrade – que passamos a explicar – existe na ordem jurídica portuguesa um direito crucial à fundamentação. Segundo o Professor, para que houvesse uma receção material de um direito para a Constituição a partir de uma regra procedimental, teriam de se verificar duas condições: a regra teria de ser condição necessária à garantia de um direito fundamental; e deveria haver um consenso alargado e sedimentado relativamente à força constitucional da norma. Ora, o Professor recusa que o instituto da fundamentação dos atos administrativos venha tutelar algum direito fundamental. Por fim, defende que a proteção conferida aos direitos fundamentais seria excessiva para o caso da fundamentação dos atos administrativos, sendo-lhe suficiente o regime positivamente consagrado. Os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram que há, no dever de fundamentação dos atos administrativos, uma dimensão garantística dos direitos fundamentais. Não obstante, o dever de fundamentação integraria, assim, a estrutura complexa de proteção dos direitos fundamentais, mas não passaria a corresponder a um direito fundamental autônomo. Outros autores incontornáveis do Direito Administrativo – como o Prof. Freitas do Amaral – não se debruçam sobre a questão de reconhecer natureza jusfundamental ao instituto da fundamentação expressa do ato administrativo.
Perfilhamos da posição do Professor Sérvulo Correia. Consideramos que é um direito fundamental, cabendo no art 161º alínea d) do CPA , sendo então o ato sujeito a nulidade. De acordo com as alegações da parte que defende o Doutor Manuel Cordeiro, que afirmam que esta justificação do ato seria suficiente e explicativa. A fundamentação da decisão deve respeitar os requisitos apresentados no artigo 153º nº1 do CPA. Ora, esta fundamentação é claramente insuficiente e obscura, o que o nº2 do mesmo preceito iguala à falta de fundamentação. Assim, a falta de fundamentação leva a uma clara violação deste dever fundamental. Esta violação não permite aos projetos concorrentes saber o porquê da eleição daquele projeto em concreto, o que prejudica outro direito fundamental - o direito de acesso à justiça.
Princípio da Imparcialidade
Previsto no artigo 9º do CPA, o princípio da imparcialidade prevê que a Administração deve tomar decisões determinadas, exclusivamente com base em critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das suas funções específicas, não se tolerando que tais critérios sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função. Ou seja, os órgãos administrativos devem atuar de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo.
A afirmação do princípio da imparcialidade não contradiz a parcialidade enquanto característica inerente da atuação administrativa – a administração é necessariamente parcial na prossecução do interesse público, mas é também necessariamente imparcial na ponderação dos interesses públicos e privados sobre os quais a sua atuação repercute.
O princípio da imparcialidade tem uma dimensão negativa – ideia de que os titulares de órgãos e os agentes da Administração estão impedidos de intervir em procedimentos, atos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal, da sua família, etc., a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou retidão da sua conduta (dever de não intervir; artigos 69º a 76º do CPA) – e uma dimensão positiva – o dever, por parte da Administração, de ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados legítimos, equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adoção.
O dever de não interferir distingue-se, por sua vez, em dois tipos de situações: as situações de impedimento – em que é obrigatório por lei a substituição do órgão ou agente administrativo normalmente competente por outro, que tomará a decisão no seu lugar – e as situações de suspeição (impedimento relativo) – a substituição não é automaticamente obrigatória a substituição é apenas possível, tendo de ser requerida pelo próprio órgão ou agente, que pede escusa de participar naquele procedimento, ou pelo particular que opõe uma suspeição àquele órgão e pede a sua substituição por outro – sendo as primeiras as mais graves.
A isto, os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos chamam as garantias preventivas de imparcialidade – “(…) mecanismos tendentes a assegurar que os titulares de órgãos e agentes administrativos não influenciarão as decisões tomadas em procedimentos nos quais seria especialmente de recear que se comportassem de modo parcial.”.
Concorda-se com a defesa de Manuel Cordeiro quando diz que este caso não integra nenhuma das situações de impedimento previstas no artigo 69º. Porém, é necessário atender também à possibilidade de existir uma situação de suspeição, artigo 73º.
As situações de suspeição, ao contrário daquilo que resulta para os casos de impedimento, não apresentam uma enumeração taxativa das situações que a originam, tendo a lei recorrido a uma cláusula geral. Esta cláusula geral atribui uma certa discricionariedade ao utilizar o conceito indeterminado «duvidar seriamente», o qual não podendo ser preenchido por recurso a uma interpretação jurídica ou por recurso à doutrina e jurisprudência, apresenta uma verdadeira margem de discricionariedade que apenas pode ser preenchida atendendo ao caso concreto. A mera verificação de uma das circunstâncias previstas (artigo 73º CPA) não implica que ocorra por força uma situação de suspeição, dependendo a sua existência essencialmente da concretização da cláusula geral, mediante a valoração dos conceitos indeterminados nela usados. Verificando-se fundamentadamente a concretização desta cláusula geral, o titular do órgão ou agente deve formular um pedido de dispensa nos termos do artigo 74º nº1, podendo também qualquer interessado formular este pedido (nº3). Até à decisão da questão de suspeição, o titular do órgão ou agente deve continuar a intervir no procedimento como se nada se passasse. Contudo, se esta não for proferida ou se a decisão for negativa, isto não prejudica a invocação da anulabilidade dos atos praticados “(…) quando do conjunto das circunstâncias do caso concreto resulte a razoabilidade de dúvida séria sobre a imparcialidade da atuação do órgão, revelada na direção do procedimento, na prática de atos preparatórios relevantes para o sentido da decisão ou na própria tomada da decisão.” (artigo 76º nº4).
Resulta dos factos julgados provados por este Tribunal que Manuel Cordeiro, ex Ministro das Finanças, no momento em que proferiu a decisão de atribuição da subvenção, apenas ao ISER, encontrava-se suspenso do seu cargo docente. Contudo, este Tribunal considera que este facto não é suficiente para afastar o possível conflito de interesses gerado pelo facto de Manuel Cordeiro apenas ter as suas funções no corpo docente do ISER suspensas. Logo, o então Ministro das Finanças encontrava-se em situação de suspeição, tal como é referido no parecer do Departamento Jurídico do Ministério das Finanças.
De ressalvar que os despachos de mero expediente são aqueles que apenas têm como objetivo regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual e que não importam decisão ou julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito, ou seja, que não decide qualquer questão de forma ou de fundo. Com base nisto, a alegação do ISER quanto à possibilidade de se tratar de um ato que se integra na alínea a) do artigo 69º nº2 não nos parece sustentável, pois não é possível definir a atuação por parte do Sr. Ministro das Finanças, um órgão singular decisório (despacho), como um mero ato de expediente, designadamente um ato certificativo. Ao aprovar a subvenção nacional apenas para um dos vinte e dois projetos apresentados pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior não se pode concluir que este ato foi apenas “(…) um despacho favorável de confirmação daquilo que foi decidido no Ministério já referido, ou seja, não houve qualquer análise do mérito da causa por parte do ex Ministro das Finanças.”
Princípio da Igualdade
Segundo o disposto no artigo 6º do CPA, “Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
O Princípio da igualdade encontra-se também constitucionalmente consagrado no artigo 13º e no 266º/2 para a Administração Pública. Este Princípio consiste essencialmente na obrigação de tratar de forma igual aquilo que é igual e diferente aquilo que é diferente, em termos administrativos falamos, portanto, de proibição de arbítrio e de não discriminação. No caso de se tratar de duas situações iguais, impõe-se à AP o dever de não introduzir desigualdade entre estas duas situações iguais. Porém, no caso de situações iguais serem tratadas de forma diferente há, neste caso, um dever de as igualar. Já se se tratar de duas situações diferentes é exigido um tratamento equivalente à diferença. Logo, se estas duas situações diferentes estiverem a ser tratadas de forma igual, há o dever de as diferenciar.
Neste caso concreto, ao que tudo indica estaríamos perante situações iguais – 22 projetos que foram apresentados pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior como suscetíveis de receber subvenções, sendo que apenas uma destas instituições recebeu a subvenção nacional. Desta forma, à luz dos factos e argumentos apresentados e, uma vez que para realização do fim tido em vista (a necessidade de não perder o apoio europeu) não foi razoável proceder à distinção entre CIVC e CIEEP, à luz dos valores dominantes do ordenamento jurídico, o Tribunal considera procedente os argumentos de violação dos princípios da igualdade e justiça. Assim, caracterizando este princípio como sendo, indiscutivelmente, um direito fundamental remete-se para a nulidade do ato, 161º nº2 alínea d) do CPA.
O Princípio da Igualdade está intimamente ligado ao Princípio da Justiça e Razoabilidade (artigo 8º CPA), sublinhando a importância da justiça e da igualdade na atuação da Administração Pública.
O princípio da justiça, consagrado no artigo 266º nº2 da CRP e no artigo 8º do CPA, além de ser um princípio que aglutina vários subprincípios que encontram tradução autónoma noutros preceitos constitucionais e legais, é também um princípio próprio, isto é, um princípio diretamente constitutivo de regras jurídicas. Enquanto princípio garantidor de uma determinada ideia de direito, o princípio da justiça foi, assim, a fonte a que a doutrina, a jurisprudência e o legislador foram buscar as bases de densificação de outros princípios.
O princípio da justiça tem vindo a perder relevância e só se pode considerar violado nas situações cuja qualificação como injustas é suscetível de alcançar um consenso intersubjetivo – situações de injustiça manifesta e ostensiva
Será injusta stricto sensu, a decisão do então Ministro das Finanças, Manuel Cordeiro, que favoreceu, sem fundamentação suficiente, o CIVC perante todos os outros 21 projetos também considerados aptos pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior a receber o financiamento nacional.
Também no artigo 8º do CPA se encontra o princípio da razoabilidade. Acrescente-se que, tal como resulta deste preceito, não é toda a irrazoabilidade que releva, mas sim a irrazoabilidade manifesta. Esta incompatibilidade deve-se prender também com uma “(…) certa ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa”.
Princípio da Proporcionalidade
Nos termos do número 1 do artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo, “na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos”. Cumpre frisar que o princípio da proporcionalidade tem, igualmente, tutela constitucional no artigo 266º, nº2, como padrão de toda a atividade administrativa.
Posto isto, o princípio da proporcionalidade, nas palavras do Professor Diogo Freitas do Amaral, é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins.
A definição supracitada evidencia as três dimensões do princípio da proporcionalidade que devem ser cumulativamente preenchidas: Adequação - proíbe a adoção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que a norma vise; Necessidade (ou proibição do excesso) - para além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a medida administrativa deve ser, dentro do universo das medidas abstratamente idóneas, aquela que, em concreto, lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares; Equilíbrio (ou proporcionalidade em sentido estrito) – exige uma ponderação entre os benefícios e os custos que aquela medida administrativa acarreta, exigindo que os primeiros sejam superiores aos últimos.
A preterição de qualquer uma das três dimensões envolve a preterição global da proporcionalidade.
No que diz respeito à averiguação se a decisão tomada pelo Sr. Dr. ex-Ministro das Finanças é adequada, de facto, podemos considerar que a adequação se encontra verificada, uma vez que, realmente, a criação do CIVC, tal como todos os restantes projetos, tinha como principal objetivo a “subvenção para não se perder os fundos europeus”. Pelo que se revela causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir.
No que toca à necessidade, para além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a criação do CIVC deve ser, dentro de um universo de medidas abstratamente idóneas, aquela que, em concreto, lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares. Aqui temos, de facto, que realizar uma comparação, entre a atribuição da subvenção e outras possíveis medidas. Este requisito também se encontra preenchido, pois a atribuição de uma subvenção não prejudica quaisquer direitos e interesses da entidade a que esta foi atribuída.
Por sua vez, a vertente do equilíbrio (ou da proporcionalidade stricto sensu) exige que os benefícios que se espera alcançar com uma medida administrativa adequada e necessária suplantam, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará. Neste caso, o benefício seria o financiamento nacional do CIVC que se opõe aos custos, os quais refletem a preterição de atribuição de uma subvenção às outras 21 instituições. Assim sendo, os custos claramente se sobrepõem aos benefícios.
Sendo a medida desproporcional, encontra-se ferida de anulabilidade nos termos do artigo 163, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo.
DECISÃO
Após o término da simulação de julgamento no passado dia 20 de maio de 2022, a presente decisão foi elaborada tendo em conta toda a conjuntura de testemunhos, alegações, documentos e provas entregues pelas partes integrantes da ação.
Nestes termos, e com base e fundamento no supracitado, entendemos que a Faculdade de Arquitetura, autora da ação demonstrou, de facto, razão perante o Tribunal, da quebra por parte do Sr. Dr. Manuel Cordeiro de princípios basilares da Administração Pública, ao agir com parcialidade, desproporcionalidade, desigualdade e irrazoabilidade. Inclusivamente, não se verificou audiência dos interessados, nem a devida fundamentação do ato administrativo.
Posto isto, o Douto Tribunal decide a favor da Faculdade de Arquitetura, julgando-se improcedentes e infundamentados os argumentos e provas invocados pela Administração Pública.
Os Juízes,
Ana Laura Carmo;
Carolina Farinha;
Francisca Matos;
Guilherme Fernandes;
Iara Sequeira.